quarta-feira, 6 de abril de 2011

O Funk no Brasil

O funk hoje é, sem dúvida, um fenômeno musical genuíno das favelas cariocas. Sendo este o pano de fundo, requer, por sua vez, um percurso histórico mínimo para compreensão mais ampla do processo de surgimento dessa realidade.

Na década de 70, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro, os bailes de música soul, eram realizados em plena zona sul da cidade, na casa de espetáculos Canecão. Esses primeiros bailes, chamados “Bailes da pesada”, foram realizados pelo locutor de rádio conhecido como Big Boy e o discotecário Ademir Lemos, duas figuras lendárias para os funkeiros e foram os responsáveis pelos Bailes da pesada, que reuniam cerca de cinco mil dançarinos de diferentes bairros da cidade. Com a transformação do Canecão em espaço nobre da MPB, não demorou muito para os “Bailes da pesada” serem transferidos para os clubes do subúrbio carioca. A partir de então, esses bailes passaram a ser realizados a cada fim de semana num bairro diferente, favorecendo o surgimento de novas equipes de som que animavam pequenas festas e descentravam os grandes bailes.

Como já mencionado essas equipes de som tocavam diversos estilos musicais, porém com o passar do tempo consolidou-se a supremacia do soul, ou seja, do funk, (que devido a dificuldade que os discotecários cariocas dessa época tinham para obter informações, fez com que eles continuassem a chamar de soul a este estilomusical, enquanto nos EUA já era usual a palavra funky para se referir a esse ritmo. Paulatinamente o termo funk foi se consolidando como nome mais adequado para identificar esse ritmo) este estilo mostrou-se mais apropriado para animar a galera. As músicas tocadas nos primeiros bailes eram todas americanas e o soul conquistou gosto por ser o ritmo mais dançante, como atesta Messiê Lima, um notório discotecário da época.

O período que corresponde à segunda metade da década de 70 foi um dos momentos de glória para os bailes soul, para as equipes de som que promoviam bailes todos os dias da semana, sempre lotados. Equipes de som como a Soul Grand Prix, Revolução da Mente, Black Power, Atabaque, Furacão 2000, dentre outras, conquistaram fama e dinheiro nessa época. As mais famosas dispunham de dançarinos itinerantes, que acompanhavam a equipe onde quer que ela fosse, isso possibilitava tanto a troca de informações entre os dançarinos como a divulgação de sucessos, de coreografias, do calendário de apresentações e de estilos de roupas que estavam na moda entre os dançarinos. Só mais tarde surgiram os prospectos e os programas de rádios que facilitaram a circulação de informações para fãs do soul.

É dessa época a fase denominada pela mídia carioca de Black rio, um movimento desencadeado em promover bailes com o caráter pedagógico de introdução à cultura nega, uma estratégia para despertar o orgulho de ser negro no Brasil que incluía ainda a adoção de estilos de cabelo e de vestimenta. Esse movimento não era por sua vez autenticamente brasileiro, na verdade era uma tentativa de importar modelos usados pelos movimentos negros norte-americanos. A proporção do movimento Black Rio pela mídia foi um dos raros momentos que o universo dos bailes funk foi tratado com alguma seriedade pela sociedade, embora muitos tentassem apropriar-se política e/ou comercialmente desse fenômeno. Mas esse movimento não prosperou por dois motivos: primeiro, porque o funk perdia as características de pura diversão e passava a se construir um movimento político de superação do racismo; e segundo, porque a polícia do regime militar achava que por trás das equipes de som existissem grupos clandestinos de esquerda de forma que alguns discotecários ligados ao Black Rio chegaram a ser presos.

O aparecimento do Black Rio na mídia despertou o interesse comercial das grandes gravadoras do país por esse movimento, assim a diversão foi transformada em lucro, dado o imenso mercado inexplorado composto por milhares de consumidores sedentos por funk. Os primeiros discos lançados levavam o nome das equipes mais famosas, começando pelo LP Soul Grand Prix depois chegando a vez das Dynamic Soul, da Black Power e mais tarde da Furacão 2000. As gravadoras tentaram também criar um soul nacional, produzido por músicos brasileiros e cantado em português, mas não tiveram sucesso, foi um fracasso de venda, com duas exceções a parte como é o caso de Tim Maia e Sandra de Sá. Aos poucos, as gravadoras foram deixando de lado a Black Rio argumentando que o publico de funk no Brasil não possuía poder aquisitivo suficiente para comprar discos. Assim encerra-se o período da disco-funk, embora grande parte da juventude suburbana continuasse ouvindo e dançando a soul music norte americana, sobretudo o funk melody, um estilo sem o peso do funk comum e mais melodioso, conhecido como charme.

Na metade da década de 1980, algumas rádios passaram a divulgar os bailes e a tocar funk em programas especializados. Nesse período os discotecários estavam tocando mais charme. O retorno do funk foi paulatino e trouxe consigo algumas inovações, como a dança em grupos e uma nova forma de vestir, bem distante do estilo difundido pelo movimento de orgulho negro dos anos 70. Os jovens do funk no Brasil dos anos 80 adotavam o estilo surfwear (Bermudões e camisetas coloridas com desenhos de ondas, pranchas de surfe e logotipo das lojas, tênis muitas vezes sem meias, e outros detalhes que nada tem a ver com o estilo dos surfistas, como bonés, toucas e inúmeros cordões de prata ou imitação de prata).

O estilo surfwear usado pelos jovens freqüentadores do baile funk, via de regra, suburbano, era uma tentativa de imitar os jovens de classes mais altas. Quanto a vestimenta feminina, não se tem uma característica marcante, só mesmo um olhar mais atento para identificar alguns estilos mais predominantes como saias muito curtas, calças justíssimas realçando o corpo da dançarina, também se notou uma preferência por bustiês colantes e camisas curtas que deixem as barrigas de fora.

No mesmo período em, que o funk no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro tem a sua retomada (consolidando-se como “funk carioca”), observa-se na periferia da cidade de São Paulo, sob influência da mídia e da industria cultural, a cultura hip hop começa a se manisfetar através dos ‘bailes blacks”, onde aparece a dança “robotizada” dos breakers, o rap (funk falado) e nomes como o de Nelson Triunfo, considerado o pai do hip hop no Brasil, o grupo Racionais MC’s.

O funk e a cultura hip hop, embora tenham origem comum, aqui no Brasil adquiriram algumas particularidades. A experiência paulista parece ter preservado as raízes musicais e ideológicas da cultua hip hop. O rap paulista manteve a característica de veículo de informação e denúncia, ou seja, a música desse modo, mais que uma via de inserção social, tornou-se, sobretudo, a expressão de uma postura radical de contestar as estruturas vigentes, constituindo assim o “discurso engajado”, como é chamada essa postura no universo hip hop.

Na experiência carioca aquilo que deveria chamar cltura hip hop reduziu-se ao funk. Do ponto de vista estritamente musical, o que se conhece hoje como “funk carioca” seria na verdade um desdobramento do miami bass (Tipo de música feita na cidade de Miami, que tem como base o ritmo e não seria ligado ao hip hop, isto porque usa como base a bateria eletrônica e o samples de músicas da soul music).

Na década de 80 o movimento funk carioca, sob influência do miami bass, se consolida adquirindo um ritmo parecido ao do rap, porém com batidas graves, acentuadas e mais rápidas, reafirmando a proposta de ser algo mais alegre e dançante. A descoberta da possibilidade de usar a bateria eletrônica baseada numa batida funk ritmo miami, a inserção linguagem do morro, as gírias da favela, faz brotar o “funk carioca”. Certamente foi por estes motivos que o ritmo funk conquistou, sobretudo, a juventude da periferia dos grandes centros urbanos.

Desse modo, o funk tal como ouvimos hoje é bem diferente daquele que animou a primeira geração de fãs na década de 70, tanto em ritmo, quanto em posicionamento ideológico.

Em 1989, o DJ Malboro, um dos grandes responsáveis pelo processo de nacionalização do funk, inovou o estilo musical funk ao utilizar bateria eletrônica, teclados com sampler e introduzir elementos musicais originários do samba, como o atabaque e o tamborim. Algumas gravadoras se propuseram a lançar o funk no mercado, com isso os funkeiros obtiveram espaço na mídia e alguns tiveram a chance de participar de programa de televisão. Nesse período os primeiros nomes do funk nacional (entenda-se funk carioca) começaram a ganhar destaque e fama.Bastava lançar uma música que caísse no gosto da galera para em seguida virar sucesso e transformar anônimos em celebridades instantâneas, que logo depois voltavam à obscuridade.

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